sexta-feira, 26 de junho de 2009

O PODER DA LINGUAGEM NO MUNDO JURÍDICO

Já dizia Aristóteles em sua obra ''Política'': ''Somente o homem é um animal político, isto é, social e cívico, pois somente ele é dotado de linguagem. Os outros animais possuem voz (phoné) e com ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra e com ela exprime o bom e o mal, o justo e o injusto''. Hjelmslev, por sua vez, afirmava que a linguagem está sempre à nossa volta e nos acompanha em toda a nossa vida.
Platão, no entanto, dizia que a linguagem (phármakon) possui três sentidos principais: remédio, veneno e cosmético. Ou seja, Platão considerava que a linguagem pode ser um remédio para o conhecimento, pois pelo diálogo e pela comunicação, conseguimos descobrir nossa ignorância e aprender com os outros. Pode, porém, ser um veneno quando, pela sedução das palavras, nos faz aceitar, fascinados com o que vimos ou lemos, sem que indaguemos,se tais palavras são verdadeiras ou falsas. E ela pode ser um cosmético para dissimular ou ocultar a verdade sob as palavras.
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Percebe-se, portanto, que não é de hoje que se tem consciência da importância da linguagem para o ser humano.
Conceituar linguagem, porém, não é tarefa das mais fáceis, havendo quem compare a pergunta ''O que é a linguagem?'' a ''O que é a vida?''
[2] Chauí em ''Convite à Filosofia'' conceitua linguagem como sendo ''um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação entre pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos. ''Este conceito será analisado ao longo deste artigo, fazendo-se alusão ao poder que a linguagem exerce dentro do universo jurídico, bem como a maneira como é utilizada nesse meio e como ela assume diferentes formas de acordo com o objetivo do sujeito que a emprega, do sujeito que a ouve e a lê e das condições ou circunstâncias em que for empregada.
É fato comprovado e por todos aceito que a comunicação adequada é essencial em todas as profissões. A utilização de uma linguagem adequada assume relevância quando se trata de profissionais do Direito. Para estes, a palavra correta ou a exteriorização do pensamento através de uma redação coerente, concisa, clara e bem estruturada constituem a possibilidade única de obtenção dos resultados pretendidos pelos mesmos. Seja o advogado ao peticionar ou recorrer; seja o juiz ao sentenciar, seja o bacharel em busca de aprovação em provas seletivas-especialmente as de concursos públicos. Todos esses profissionais do Direito precisam se preocupar com o uso da palavra, pois esta é a matéria prima principal de suas atividades.
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No mundo jurídico, mais do que em qualquer outro, a linguagem exerce um poder muito grande. Embora se saiba que uma de suas funções é comunicar, a exemplo do conceito de Chaui, há casos, e muitas vezes é o que ocorre com a linguagem jurídica, em que ela serve exatamente para não comunicar.
Sabe-se que a linguagem jurídica é uma linguagem técnica, pois possui um vocabulário próprio. Outras ciências, tais como a medicina e a informática, também possuem um vocabulário próprio, não diferentemente do Direito. Porém, o tecnicismo deste último tem sido alvo de preocupações, pois ao mesmo tempo em que o Direito propõe e busca o bem estar da coletividade, o hermetismo da linguagem jurídica pode ser um fator de distanciamento, inclusive ideológico, daqueles que buscam ser amparados pelo Direito.
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Na maneira de escrever dos meios jurídicos há todo um cuidado em ornamentar a linguagem e modelá-la de uma maneira tal que ela passa a ser um verdadeiro código, cuja compreensão está limitada apenas ao pequeno grupo que faz parte do universo jurídico. As petições, as sentenças e muitos livros da doutrina são escritos de tal forma que se torna praticamente impossível a compreensão desses textos por alguém que não faça parte do meio jurídico. São textos impregnados de palavras rebuscadas ou desconhecidas, expressões latinas ou em outros idiomas.
Observa - se muitas vezes sentenças impossíveis de serem compreendidas pelas partes sem a interferência de seus advogados, devido aos termos contidos nas mesmas. O que ocorre é que,embora,tanto o emissor(juiz)quanto o receptor (as partes) falem o mesmo código (língua portuguesa), não há comunicação, pois não possuem o mesmo repertório, que é o conjunto vocabular de que se serve cada falante para expressar-se.
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Na mesma linha é o raciocínio de Chaim Perelman quando ele diz que há uma linguagem determinada para cada auditório e que aquele que fala deve adequar a sua mensagem ao tipo de auditório. Compreende-se então, que,quando não utilizada adequadamente, a linguagem pode ter o poder de não comunicar; que o hermetismo jurídico contribui para o afastamento da sociedade em relação ao Direito; e que aquela deveria apresentar-se como verdadeiro instrumento a serviço da sociedade.
O que se espera são simplesmente ideias, raciocínios, expressos de forma lógica, clara, correta e objetiva e que assegure a comunicação, essencial quando se trata de buscar, discutir e assegurar direitos, afinal, as dificuldades relacionadas com a linguagem que impossibilitam a comunicação, também inferem - se na demora na solução de conflitos pelo poder judiciário. Acessar o conhecimento é acessar a justiça.
Linguagem não é apenas instrumento de comunicação. É também a expressão de idéias, valores e sentimentos, ou seja, exerce função social e ideológica, propiciando o exercício de um poder, que no mundo do Direito é exercido por meio da retórica, do discurso e da argumentação. Tanto a retórica quanto o discurso são métodos de argumentação. O discurso é uma exposição metódica sobre certo assunto, visando influir no raciocínio ou quando menos, nos sentimentos do ouvinte ou do leitor. A retórica em sentido amplo, designa a ciência (ou a arte) de usar a linguagem com vistas a persuadir ou influenciar. Em sentido estrito, refere-se ao emprego ornamental ou eloqüente da linguagem.
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No dia-a-dia, utilizamos a linguagem com vistas a fixar a atenção, despertar o interesse e induzir aquele com quem falamos a concordar conosco. O mesmo ocorre conosco. Recebemos estímulos de toda sorte. Para CAIRES e SILVA, ''o significado, porém, não repousa na mensagem, mas no receptor.Então uma mensagem pode possuir vários níveis de significação,conforme o repertório,as circunstâncias,o contexto,o estado psicológico do receptor,etc.Ainda de acordo com as autoras,esse tipo de argumentação informal corre o risco de ser falaciosa,quando se baseia apenas em suposições. A argumentação jurídica, no entanto, diferentemente da informal, precisa da consistência do raciocínio e a existência de provas. A argumentação, portanto, contribui para que se alcance a adesão de outrem, convencendo-o de que determinada tese é sustentável e a melhor alternativa para a solução de determinado problema.
Um exemplo é a de um juiz: ao proferir sua sentença, ele expõe todos os argumentos que possam dar fundamento à sua decisão. Michel Meyer, ao tratar sobre o pensamento de Chaim Perelman, afirma que''o juiz, por ter que adotar uma decisão razoável ou juridicamente motivada é levado a interpretar textos legais, a estender ou restringir seu alcance e a justificar a sua decisão por todo tipo de argumento para torná-la aceitável. ''
Os advogados e promotores fazem o mesmo, através da retórica e do discurso, com o objetivo de envolver o júri, conduzi-lo a uma determinada posição. E o seu discurso possui um poder de sedução, atração, encanto, que envolve e atinge não só o aspecto racional, mas também e principalmente o aspecto emocional dos jurados. E é este último aspecto o principal responsável pelo convencimento e o que mais influencia na decisão dos mesmos.
Para Perelman, todo discurso tem um contexto e a adaptação do auditório é uma condição para a persuasão. Logo, é de suma importância que o operador do Direito perceba que nem tudo o que ele disser será entendido de forma adequada por seus ouvintes. Levando-se em conta que o discurso pode ter um poder de dominação ideológica, as idéias devem ser formuladas de maneira clara para melhor assimilação e adesão do receptor.
Em face dos argumentos expostos, creio que foi possível observar,senão toda a força e importância que a linguagem exerce, seja na sociedade como um todo ou no mundo jurídico, mas o poder que ela possui neste último: o poder de comunicar (ou não) e o poder de persuasão, ideológico, exercido pelo discurso ou pela retórica, ou seja, pela exposição de argumentos. Referindo-se ao sermão, que é, em essência, argumentação, o Padre Antônio Vieira dizia:
‘’Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distingua, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplia-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que hão de se seguir, com os inconvenientes que se devem evitar; há de responder às dúvidas, há de satisfazer as dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força de eloquência os argumentos contrários, e depois disso há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar.’’
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REFERÊNCIAS

CAIRES, Maria Lúcia Soares; SILVA, Cláudia Loureiro Andrade de. Argumentação Jurídica: fundamentos e aplicação. Disponível em<
http://www.estacio.br/graduacao/direito/piblicacoes/argumentacao_juridica.asp>Acesso em 25/04/2007.

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005

DESTE, Janete A parecida. Comunicação, Linguagem e Direito. Jornal do Comércio, 01/03/2004. Disponível em <
http://www.femargs.com.br/www/modules.php?name=News&file=article&sid=1-17k>Acesso em 25/04/2007.

GREGÓRIO, Sérgio Biagi. Persuasão e Retórica. Disponível em <
http://www.ceismael.com.br/oratoria/oratoria035.htm>Acesso em 25/04/2007.

LYONS, John. Linguagem e Lingüística - uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

MARTINS, Dileta Silveira; ZILBERKNOP, Lúcia Scliar. Português Instrumental. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MELO, Viviane Rodrigues de. Hermetismo Jurídico: Tecnicidade da linguagem pode afastar sociedade da justiça. Revista Consultor Jurídico, 09/03/2006. Disponível em <
http://conjur.estadao.com.br/static/text/42565.1> Aceso em 25/04/2007.

MEYERS, Michel. Chaim Perelman. Disponível em <http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/c1mmeyer.html

[1]CHAUI, Marilena . Convite á Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005.p.147,148.
[2]LYONS, John. Linguagem e linguística - uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987.p.15.

[3]DESTE, Janete Aparecida. Comunicação, Linguagem e Direito. Jornal do Comércio, 01/03/2004. Disponível em<http://www.femargs.com.br/www/modules.php?name=News&file=article&sid=1-17k>Acesso em 25/04/2007.
[4]MELO,Viviane Rodrigues de.Hermetismo Jurídico:Tecnicidade da linguagem pode afastar sociedade da justiça.Revista Consultor Jurídico,09/03/2006. Disponível em <http://conjur.estadao.com.br/static/text/42565.1> Aceso em 25/04/2007.
[5]MARTINS,Dileta Silveira;ZILBERKNOP,Lúcia Scliar.Português instrumental.25.ed.São Paulo:Atlas,2004.p.34.
[6]GREGÓRIO,Sérgio Biagi.Persuasão e Retórica.Disponível em <http://www.ceismael.com.br/oratoria/oratoria035.htm> Acesso em 25/04/2007.
[7]CAIRES, Maria Lúcia; SILVA, Cláudia Loureiro Andrade da. Argumentação Jurídica: fundamentos e aplicação .Disponível em<http://www.estacio.br/graduacao/direito/publicacoes/argumentacao_juridica.asp>Acesso em 25/04/2007.

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